Ponto de Vista

Um Vício pelo nome Platitude

Platitude é uma palavra pouco conhecida que descreve uma prática muito conhecida. Segundo o dicionário Webster (a palavra também existe na mesma forma em inglês e francês) significa “um comentário trivial, enfadonho, banal, sem originalidade”. Sua etimologia é do francês “Plat”, que significa plano, chato. Platitudes são frequentemente utilizadas por políticos profissionais. São uma forma excelente de preencher um discurso com frases que soam inteligentes, todos concordam, e não trazem nada de informação. Deixar sempre na névoa o específico, mantendo o discurso na zona de concordância dos clichês, longe da discussão de iniciativas tangíveis, é uma arte de sobrevivência e manipulação. Sobrevivência quando esconde uma ausência de compromisso com execução e resultados, manipulação quando esconde decisões concretas que, se trazidas ao foro de discussão, não teriam tão óbvia recepção quanto as tais platitudes. “Freedom! Democracy! Fight Against Terrorism!”, dizem as manchetes e os refrões dos discursos — para a aclamação e o aplauso. Em letras menores se diz “Invadir o Iraque”. Isso é manipulativo. Mas este texto é sobre a outra, a platitude da sobrevivência, da complacência, e sua manifestação nas grandes empresas brasileiras.

Os funcionários não fazem tudo o que se espera deles. Os sistemas de informação não dão todas as visões que o gerente precisa. A falta de padronização de processos é um problema. Trabalhamos com revendedores maiores (ou menores) do que deveríamos. Certas filiais ou plantas têm melhor desempenho — as outras ganhariam se levadas ao patamar delas. Existe variação dos preços cobrados por cliente ou região de tal forma que ganhamos menos dinheiro (ou perdemos) em alguns deles. Pagamos pelos mesmos serviços terceirizados valores diferentes ao longo do país. A utilização de determinados ativos está muito baixa… Praticamente sempre que uma empresa examina sua operação encontra provas de cada um destes pontos, em um grau ou em outro. E se cada um destes pontos é verdade antes do diagnóstico, a reação a eles também é frequentemente previsível. Treinar funcionários. Tirar mais telas e relatórios do sistema de informação. Padronizar processos. Eliminar revendedores, achar novos revendores. Aumentar a utilização. Diminuir gastos. Aumentar preços. Ganhar penetração de mercado. Alinhar-se com as melhores práticas de mercado. Neste ponto se o cérebro do leitor não grita, gritam as letras: PLATITUDES !

A variedade mais comum de platitudes empresariais é isso: uma destilação das discussões sobre o negócio que vai tão longe (ou em tal atitude), que ao fim não diz absolutamente nada. Diminuir gastos. Aumentar as vendas. O que parece palavra de ordem, o que soa como uma iniciativa inteligente é, na verdade, o conjunto das atribuições mais básicas de toda a cadeia de comando de uma empresa qualquer, do presidente e diretores até os funcionários mais “mãos-na-massa”. Treinar, padronizar, controlar, maximizar, minimizar, nada disso é uma decisão, senão uma atribuição básica. Mais que isso, tais coisas são metas em aberto, pois como a grama precisa ser sempre cortada os custos precisam sempre ser revistos, os ativos e a utilização sempre ajustada, a carteira de clientes e as políticas comerciais sempre discutidas e melhoradas, assim vai. Uma meta em aberto ou uma atribuição básica não são planos de ação nem iniciativa porque não têm prazo, e não têm limite, mesmo que um número associado à meta tente criar essa ilusão. Além disso não trazem compromisso de mudança, pois se são a descrição de cargo só o que podem mudar é o ocupante do cargo (inaptidão é um fato da vida organizacional). Mas com platitudes como estas se encerram muitas revisões ditas estratégicas, e se fazem orçamentos e planos para o próximo trimestre ou para o próximo ano em um bom número de empresas.

Platitudes em Disfarce

As platitudes podem também vir em uma forma um pouco mais elaborada, e difícil de distinguir para os menos atentos. É a forma com cobertura de dados e quantificações de modelos Excel. Números são uma excelente forma de esconder uma platitude. Por exemplo, considere a seguinte apresentação sendo projetada na parede de sua empresa, em elegantes slides de PowerPoint. No primeiro slide, vários pontos em um gráfico mostrando que há espaço para melhorar o desempenho médio da empresa, pois existe variação ao redor da média entre os mercado ou unidades operacionais da empresa. No segundo slide uma série de platitudes fraseadas como uma lista de compras: Aumentar volume vendido, aumentar preço médio praticado, diminuir custos. No terceiro slide números de uma análise mostrando que se as filiais que estão abaixo da média forem para a média (ou para o primeiro quartil, ou para a melhor prática, escolha a sua meta) a empresa irá gerar tantos milhões de reais a mais no final do ano. Excelente. Até que um tolo qualquer de um escalão mais baixo, depois que as reuniões de definição de meta já se encerraram, levanta um dedo e pergunta: “Como vamos fazer isso ?” Um problema de implementação, diriam os “estrategistas-puros” da cúpula. Porém seria um erro desconsiderar essa pergunta prática. O verdadeiro e duradouro valor está em descobrir precisamente porquê, se a oportunidade é real, ela já não havia sido naturalmente capturada no processo usual de gestão da empresa.

Uma das memórias marcantes que tenho de ter estudado em Chicago foi da aula sobre finanças monetárias internacionais do Professor Robert Z. Aliber. Nada da matéria se aplica muito nesta discussão. Mas a forma como o Prof. Aliber sabatinava os alunos durante suas exposições me marcou. Seu curso era sobre a relação entre taxas de juros, câmbio, políticas monetárias e fiscais, etc. no contexto internacional. Ele tinha o hábito de discutir cenários e, de repente, se virar para a classe e perguntar coisas como: “E o que fez a inflação subir, quem responde ?” Em que os alunos começavam a levantar a mão e jogar suas hipóteses. Algumas vezes ele parabenizava o aluno por uma resposta certa e explicava para a classe o porquê. Outras vezes o aluno errava, e ele também discutia onde estava falho o raciocínio. Mas de longe a réplica mais rápida, e provocante, que o Prof. Aliber dava durante a aula (e em toda aula precisava usar essa réplica) era “You can’t explain change without change” (“não se pode explicar uma mudança sem uma mudança”). O câmbio caiu porque a economia de determinado país é agrícola ? Bzzzz… (ela já era agrícola antes do câmbio cair). Os juros mudaram de patamar porque os índices de endividamento das empresas têm sido altos ? Bzzzz… O Yen deu um salto porque as empresas japonesas são mais eficientes ? Bzzzz…

E esse é o ponto essencial. Um pote com 200 quilos de ouro enterrado numa cratera da lua não é uma oportunidade, é uma curiosidade. Planos para uma missão espacial que permitam resgatar o pote e que custe menos que 200 quilos de ouro podem ser uma oportunidade. Dizer que há espaço para melhora em uma empresa de forma geral não prova a existência de uma oportunidade. O que as análises de desempenho em geral dizem é que os melhores esforços atuais estão aquém do ótimo. Apontar esse fato não cria um impulso mágico de melhorar os melhores esforços. A pergunta que precisa ser respondida é por quê a organização deixou dinheiro na mesa e que mudança, especificamente, a fará mudar seu desempenho e capturar valor. “You can’t explain change without change“.

Artigo escrito por Ricardo Castro, sócio-fundador da Catalitica. Publicado originalmente em abril de 2006.